Showing posts with label portugues. Show all posts
Showing posts with label portugues. Show all posts

Sunday, June 21, 2009

A lingua portuguesa e muito rica - Palavra do dia III

Cerca de um terco das pessoas que vivem em Zurique nao sao suicas. Isto sem contar com os secondos, a segunda geracao de emigrantes, que alem de schwiizertueuetsch, falam tambem a lingua dos seus pais. O mais normal na rua e ouvir varios idiomas, desde os mais corriqueiros, como o ingles ou espanhol ate obscuros dialectos africanos. No entanto, os portugueses, apesar de serem uma das maiores comunidades de emigrantes, pensam que ninguem mais os percebe e que podem discutir onde calhe, alto e bom tom, inconfessaveis secredos. Eu tambem fazia o mesmo, ate que me dei conta que nao estou sozinha e que esteja onde esteja, ha sempre grandes probabilidades que o vizinho do lado seja portugues.


De isto nao se aperceberam duas simpaticas senhoras que encontrei no outro dia num tram, a uma hora relativamente sossegada. O tram estava quase vazio, o que convidava a por conversa em dia. Sem um aviso, um sinal sequer que ia presenciar uma revelacao e um momento de solene transcendencia, ouco atras de mim “ O qu’ essa gaija e, e’ma ganda songamonga”. Reconheco a palavra gaija, e os tempos verbais sao correctos. Isto e portugues, e portugues dos bem falados. ”Ai filha, o ela quer e c’o desembelgado do marido lhe faca tudo em casa”, responde-lhe a amiga, tres oitavas mais acima do necessario. Tento camuflar-me com os estofos para poder continuar a ouvir a conversa. “Tu nao t’amofines que ja vais ver c’a tua cunhada ja lhe vai dizer tres coisas”, continua a amiga. Neste momento, tenho que correr para a saida, mais ainda vou a tempo de ouvir “ Troncha, o qu’ ela e’ma troncha! O qu’ela fez foi’ma rebaixolice…. “. Uma vez na rua, aponto as palavras chave: songamonga, desembelgado, amofines, troncha e rebaixolice. Desconheco o significado, mas nao me parece que estas senhoras estejam a falar “dela” em termos elogiosos.


Chego a casa, e abro dicionario. Comeco por procurar songamonga . Songamonga, ou songa, diz-se de uma pessoa que e sonsa e disfarçada. Em definitiva, e uma expressao pejorativa, que tambem se poder aplicar a alguem que e apatico, lerdo, sem iniciativa ou lento. Francamente, nao vejo como e que alguem com estas caracteristicas pode aspirar a que o marido lhe faca tudo em casa.


A segunda palavra da lista e desembelgado. Tal como suponho, este termo nao esta relacionado com retirar a nacionalidade a um cidadao belga. Alias, desembelgado nem sequer existe como palavra. Mas, podemos encontrar embelgado como forma verbal de embelgar. Que tambem nao tem nada que ver com conceder a nacionalidade belga a um cidadao. Embelgar e um regionalismo do Alentejo e das Beiras, que significa dividir um terreno em belgas (pequeno campo cultivado) por meio de regos paralelos, ou dispor o mato roçado em linhas paralelas. Algo me diz que o marido desta senhora seria conhecido na capital como sendo um esgroviado. Ou seja, alguem sem juizo e mal arranjado. Nem sei como e que “ela” esta a espera que “ele” lhe faca tudo em casa, porque claramente deixar estas a tarefas a cargo de um desembelgado parece ser um risco demasiado grande. Mas, “ela” la sabe.


Continuo com amofines, que resulta ser um tempo verbal de amofinar. Ou seja, afligir, arreliar, apoquentar. Sabio conselho a ter em conta, sobretudo se a cunhada vai tomar cartas neste assunto. Nao sei se a cunhada e uma mulher de forte personalidade e verbo rapido, mas acho que para uma songamonga casada com um desembelgado, sao necessarias mais que tres coisas para repor a verdade.


Restam-me troncha e rebaixolice. Troncha, feminino de troncho, diz-se de alguem que foi privado de algum membro ou apêndice, ou mutilado. Informalmente, utiliza-se como sinonimo de torto ou tortuoso. Ou seja, que alem de ser lerda, “ela” e torta. Estas condicoes sao ideais para cometer uma rebaixolice, que e como quem diz em sentido popular, uma sacanagem ou uma baixaria. Suponho que o suficiente para justicar o agravio e a intervencao da cunhada neste tenebroso assunto. Ainda, tentei seguir o desenlace desta historia e apanhei varias vezes o mesmo tram, mas nunca mais me voltei a cruzar com estas senhoras. Uma pena.


Saturday, May 30, 2009

A lingua portuguesa e muito rica - Palavra do dia II

Telefona-me a minha mae, com sinais evidentes de consternacao na voz. “A tua cunhada esta im-pos-si-vel”, solta sem previo aviso. E continua, “estou a comecar a amarinhar pelas paredes”. Quando ouco amarinhar, a muito custo consigo conter a galhofa. Mas, o decoro impoe-se e consigo manter-me seria durante os largos minutos estamos ao telefone. Diga-se a bem da verdade, que a minha cunhada tem assunto para varias horas e que nao deixo de dar uma certa razao a minha Mae.


Mas, ao que iamos. A minha Mae e da Beira Baixa, em concreto, da Cova Beira. Apesar de viver ha muitos anos em Lisboa, nao perdeu um cuidado vocabulario povoado de regionalismos. Estes termos sempre provocavam sem grande hilariedade “O Mae!, mas que palavra e essa?! Essa palavra nao existe….Ganda bacorada” Invariavelmente, eramos remetidos ao dicionario, e invariavelmente acabavamos por ter pedir desculpa pela impertinencia e ouvir a respectivo sermao. A medida que fomos crescendo, aprendemos a nossa custa que quando nos diz “vai la ver ao dicionario se a palavra existe, e depois fala comigo”, o melhor e mesmo deixar cair o tema discretamente.


Mas, amarinhar parece-me ser demasiado extravagante, assim que abro o diccionario, e comeco a minha esperancosa consulta. Uma primeira busca superficial revela-nos que, tal como o proprio nome indica, amarinhar refere-se a tripular, comandar um navio, inscrever-se como marinheiro ou habituar-se ao mar. Nada que se possa aplicar ao tragico caso de perpetuas divergencias entre sogras e noras. No entanto, como ultima alternativa, remete-nos a marinhar. Consulto marinhar, que alem de significar prover um navio de tripulação, governar a manobra de um navio ou saber navegar, significa tambem trepar valendo-se de pés e mãos. Acabo de receber uma licao (outra) de humildade. Amarinhar existe, e como hiperbole ate nem esta mal.


Ja que tenho o diccionario da mao, aproveito para procurar outras palavras que a minha Mae usa e que nao se ouvem dizer a ninguem que seja de Lisboa. Por exemplo, nagalhos - especificamente aos nagalhos do avental. De facto, um nagalho e um atilho ou um cordel. Na Beira e em Trás-os-Montes e tambem um lenço do pescoço. Segunda licao de humildade no mesmo dia…


Outra palavra que provoca grande agitacao e risotadas varias e ganapo. Ganapo e uma palavra que se pode aplicar para descrever algo proprio (os meus ganapos) ou alheio (o ganapo do vizinho), algo que e incomodativo (estes ganapos sao insuportaveis) ou ainda questoes familiares (os ganapos do minha prima). Estou prestes a receber a minha terceira licao de humildade. Um ganapo e um rapaz pequeno, um garoto ou um velhaco. Ou seja, um vulgar catraio.


Ja que estou reduzida a um completo estado de achincalhamento, aproveito para procurar as duas ultimas palavras do dia: estabanado e azougado. Ambas se aplicam a pessoas, de preferencia a ganapos, fillhos e amigos dos fllhos. Sem ir mais longe, muitas vezes me acusaram de ser estabanada. Mesmo sem saber o significado, parece-me que nao era exactamente um elogio. Outra vez sem grande dificuldade, o diccionario oferece o significado. Estabanado diz-se daquele que e estouvado, com pouco juízo, cabeça no ar. Continuo a achar uma injustica.


Bastante mais complexo e o caso de azougado. Uma rapida consulta revela que quando usado como adjectivo, azougado diz-se daquele que nao pode estar quieto, de um vivo, ou de um traquinas. Portanto, usado correctamente – esta rapariga e muito azougada. Mas, quando e usado como verbo significa cobrir ou juntar com azougue (mercurio), amalgamar; em sentido figurativo significa tornar vivo, esperto, ou ainda fazer murcha antes de vir a espiga. Nos Acores, usa-se para descrever o apodrecer de um fruto e na Madeira para descrever a morte de uma animal. Recomendo encarecidamente que em caso de visita as Ilhas, se abstenham de usar regionalismos da Beira para evitar mal entendidos.

Tuesday, May 19, 2009

A lingua portuguesa e muito rica - Palavra do dia I

Que a lingua portuguesa e muito vasta, nao restava a menor duvida. Sobretudo quando a Teresa, num momento de futil ocio e grande tedio, conjuga o verbo assaralhopar a laia de status do Facebook. A Teresa nao se engana com estas coisas, e vejo-me humildemente obrigada a abrir o diccionario. Assaralhopar, como tal nao existe, mas pode-se encontrar sem grande dificuldade o respectivo adjectivo. Assarapollhado diz-se daquele que atarantado ou atrapalhado. Assarapolhemos, pois.

Ja que tenho o diccionario na mao, comeco a procurar mais provas da vastidao da lingua portuguesa. Rapidamente chego a porraceo, que nao e o que parece. Porraceo diz-se daquele que tem a cor esverdeada dos porros. Convem na confundir este termo com porreiro ou porra-louca.

Tambem descubro assecalhado, que parece rimar com o verbo calhar. No entanto, assecalhado diz-se daquele que e um tanto seco. Portanto, nada que ver com o clima alpino, se bem que os nativos de certas regioes centro-europeias possam servir de exemplo ilustrativo.

Seguindo a mesma tonica, chego a padeirar, que e o relativo ao padeiro, tambem conhecido por paozeiro. Para a proxima vez que alguem perguntar pelo paozeiro, o mais provavel e que esteja a dedicar-se a nobre arte de padeirar.


Antes de fechar o livro, ainda vou a tempo de ver apeganhaço, um termo quase inquietante para descrever uma coisa que se apega ou uma recordacao desagradavel. E para uma recordacao agradavel, sera mais correcto dizer peganhaco ou aapeganhaco?