Telefona-me a minha mae, com sinais evidentes de consternacao na voz. “A tua cunhada esta im-pos-si-vel”, solta sem previo aviso. E continua, “estou a comecar a amarinhar pelas paredes”. Quando ouco amarinhar, a muito custo consigo conter a galhofa. Mas, o decoro impoe-se e consigo manter-me seria durante os largos minutos estamos ao telefone. Diga-se a bem da verdade, que a minha cunhada tem assunto para varias horas e que nao deixo de dar uma certa razao a minha Mae.
Mas, ao que iamos. A minha Mae e da Beira Baixa, em concreto, da Cova Beira. Apesar de viver ha muitos anos em Lisboa, nao perdeu um cuidado vocabulario povoado de regionalismos. Estes termos sempre provocavam sem grande hilariedade “O Mae!, mas que palavra e essa?! Essa palavra nao existe….Ganda bacorada” Invariavelmente, eramos remetidos ao dicionario, e invariavelmente acabavamos por ter pedir desculpa pela impertinencia e ouvir a respectivo sermao. A medida que fomos crescendo, aprendemos a nossa custa que quando nos diz “vai la ver ao dicionario se a palavra existe, e depois fala comigo”, o melhor e mesmo deixar cair o tema discretamente.
Mas, amarinhar parece-me ser demasiado extravagante, assim que abro o diccionario, e comeco a minha esperancosa consulta. Uma primeira busca superficial revela-nos que, tal como o proprio nome indica, amarinhar refere-se a tripular, comandar um navio, inscrever-se como marinheiro ou habituar-se ao mar. Nada que se possa aplicar ao tragico caso de perpetuas divergencias entre sogras e noras. No entanto, como ultima alternativa, remete-nos a marinhar. Consulto marinhar, que alem de significar prover um navio de tripulação, governar a manobra de um navio ou saber navegar, significa tambem trepar valendo-se de pés e mãos. Acabo de receber uma licao (outra) de humildade. Amarinhar existe, e como hiperbole ate nem esta mal.
Ja que tenho o diccionario da mao, aproveito para procurar outras palavras que a minha Mae usa e que nao se ouvem dizer a ninguem que seja de Lisboa. Por exemplo, nagalhos - especificamente aos nagalhos do avental. De facto, um nagalho e um atilho ou um cordel. Na Beira e em Trás-os-Montes e tambem um lenço do pescoço. Segunda licao de humildade no mesmo dia…
Outra palavra que provoca grande agitacao e risotadas varias e ganapo. Ganapo e uma palavra que se pode aplicar para descrever algo proprio (os meus ganapos) ou alheio (o ganapo do vizinho), algo que e incomodativo (estes ganapos sao insuportaveis) ou ainda questoes familiares (os ganapos do minha prima). Estou prestes a receber a minha terceira licao de humildade. Um ganapo e um rapaz pequeno, um garoto ou um velhaco. Ou seja, um vulgar catraio.
Ja que estou reduzida a um completo estado de achincalhamento, aproveito para procurar as duas ultimas palavras do dia: estabanado e azougado. Ambas se aplicam a pessoas, de preferencia a ganapos, fillhos e amigos dos fllhos. Sem ir mais longe, muitas vezes me acusaram de ser estabanada. Mesmo sem saber o significado, parece-me que nao era exactamente um elogio. Outra vez sem grande dificuldade, o diccionario oferece o significado. Estabanado diz-se daquele que e estouvado, com pouco juízo, cabeça no ar. Continuo a achar uma injustica.
Bastante mais complexo e o caso de azougado. Uma rapida consulta revela que quando usado como adjectivo, azougado diz-se daquele que nao pode estar quieto, de um vivo, ou de um traquinas. Portanto, usado correctamente – esta rapariga e muito azougada. Mas, quando e usado como verbo significa cobrir ou juntar com azougue (mercurio), amalgamar; em sentido figurativo significa tornar vivo, esperto, ou ainda fazer murcha antes de vir a espiga. Nos Acores, usa-se para descrever o apodrecer de um fruto e na Madeira para descrever a morte de uma animal. Recomendo encarecidamente que em caso de visita as Ilhas, se abstenham de usar regionalismos da Beira para evitar mal entendidos.
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